
SIGNIFICADOS DA CRUZ DE CRISTO
Todos nรณs temos os nossos sรญmbolos prediletos e extremamente pessoais. Fazem parte da nossa vida e podem estar expressos atravรฉs de pequenas coisas que demonstram nosso modo de vida, costumes e cultura. No meio cristรฃo as coisas nรฃo sรฃo diferentes. Ao longo da histรณria da Igreja, sรญmbolos foram criados como forma de preservaรงรฃo e expansรฃo do Evangelho entre os povos. Entre tantos, temos a cruz. Ela estava presente na histรณria da humanidade, sendo reservada aos escravos e ร queles considerados bandidos e criminosos da รฉpoca. Nรฃo era bem vista, pois era utilizada como pena capital a todos os que nรฃo conseguiam viver dignamente em sociedade, segundo as leis do seu tempo.
Essa pena capital teve seu รกpice no ministรฉrio de Cristo, pois ele foi levado ร cruz. Esse sรญmbolo mรกximo do cristianismo faz parte do nosso dia a dia como cristรฃos e das nossas consideraรงรตes a respeito da fรฉ. O apรณstolo Paulo, convicto da necessidade de pregar o Cristo que passou pela cruz, declarou ร comunidade de Corinto que โcertamente a palavra da cruz รฉ loucura para os que se perdem, mas para nรณs, que somos salvos, poder de Deusโ ( 1 Co 1.18 ). Vale a pena considerar alguns aspectos interessantes que contribuem para o grande significado da cruz entre nรณs.
1) REDENรรO
Enviando Cristo ao mundo, Deus colocou em prรกtica seu projeto de reconciliaรงรฃo da humanidade. Apรณs a queda do homem narrada pelo autor de Gรชnesis ( 3 ), Deus mesmo assumiu a missรฃo de resgatรก-lo atravรฉs de algo que ao ser humano seria impossรญvel. Somente alguรฉm sem a marca do pecado poderia realizar o projeto de reconciliaรงรฃo. Para tanto, era necessรกria a presenรงa fรญsica de Deus entre nรณs. Aliรกs, presenรงa fรญsica, somada ao calor humano produz uma maior seguranรงa e esperanรงa, questรตes bรกsicas transmitidas por Cristo ร queles que o seguiam.
No tempo devido, nasce entre nรณs o prรณprio Deus, com uma missรฃo especรญfica โ redimir a humanidade, reconciliando-a com o Pai. O apรณstolo Joรฃo narrou esse acontecimento dizendo que o โverbo se fez carne e habitou entre nรณs, cheio de graรงa e de verdade, e vimos a sua glรณria, glรณria como do unigรชnito do Paiโ ( Jo 1.14 ).
Seria impossรญvel qualquer ato redentor sem habitaรงรฃo entre nรณs. Jรณ, em um dos muitos momentos crรญticos de sua vida exclamou: โEu sei que o meu Redentor vive, e por fim se levantarรก sobre a terraโ ( Jรณ 19.25 ) . A palavra hebraica GOEL ( โreivindicar como seuโ) que em nossa lรญngua usamos como Redentor, tinha no Antigo Testamento uma conotaรงรฃo jurรญdica, onde alguรฉm que era levado como escravo poderia ser resgatado por um dos parentes mediante o devido pagamento da dรญvida. A narrativa de Levรญtico 25 รฉ bastante esclarecedora quanto a essa questรฃo.
No sentido do Novo Testamento, Deus em Cristo, nos resgatou atravรฉs do sacrifรญcio realizado na cruz. No tempo de Deus, Cristo se levanta como o grande Redentor da humanidade, reivindicando-nos para si mesmo, assumindo novas dรญvidas, pagando-as e dando-nos a possibilidade de uma nova vida. Pensar no significado da cruz como ato de redenรงรฃo da humanidade รฉ perceber o quanto Deus deu prova do seu โprรณprio amor nรณs, pelo fato de ter Cristo morrido, sendo nรณs ainda pecadoresโ ( Rm 5.8 ).
2) JUSTIFICAรรO
Apรณs o ato de redenรงรฃo efetuado por Cristo, o ensino bรญblico nos mostra a grande paixรฃo de Deus pela humanidade, proporcionando o privilรฉgio da justificaรงรฃo. Em Romanos 5.1 Paulo deixa claro que todo processo de justificaรงรฃo acontece mediante a fรฉ que produz a paz de Cristo ร s mentes e coraรงรตes atรฉ entรฃo totalmente poluรญdos pelo pecado.
Justificaรงรฃo nada mais รฉ do que a justiรงa de Deus sendo inserida em nรณs, dando-nos a forma correta de nos comportarmos diante da sociedade e do prรณprio Deus. Em outras palavras, recebemos aprovaรงรฃo divina, baseada em princรญpios morais e รฉticos que ajudam na construรงรฃo do seu Reino. Nosso comportamento nรฃo mais รฉ regido pelas leis humanas, mas pela graรงa de Deus que nos trouxe de volta ร vida.
Quando pensamos que justificaรงรฃo pela fรฉ รฉ uma das marcas da Reforma Protestante do Sรฉculo XVI, percebemos o quanto nossos lรญderes do passado se preocuparam em enfatizar tรฃo rica doutrina cristรฃ, que nos aproxima um do outro e ambos de Deus. Justificados em Cristo somos chamados ร proclamaรงรฃo do Evangelho que anuncia a cruz vazia, como sรญmbolo da vitรณria de Deus sobre a morte.
Toda alegria da salvaรงรฃo justificada em Cristo รฉ resultado da incontrolรกvel graรงa de Deus, que aniquila o pecado e nos proporciona a adoรงรฃo de filhos. Nรฃo mais simplesmente criaturas escravas do pecado, mas filhos que reconhecem a paternidade de Deus e procuram viver segundo a sua vontade. Portanto, anunciar a mensagem da cruz รฉ anunciar que somos justificados para que tomemos a nossa cruz e sigamos Aquele que derrotou a prรณpria morte ( 1 Co 15.55-58 ).
3) DISCIPULADO
Enquanto caminhava em direรงรฃo a Jerusalรฉm, em diversos momentos o Mestre desafiou os seus seguidores a uma tomada de posiรงรฃo. Mateus relata a preocupaรงรฃo de Jesus, narrando que em certo momento o Mestre voltou-se para os seus discรญpulos dizendo: โSe alguรฉm quer vir apรณs mim a si mesmo se segue, tome a sua cruz e siga-meโ( 16.24 ).
A atitude de Cristo talvez tenha assustado alguns dos seus seguidores, porรฉm foi determinante para dizer o quanto anunciar o Reino de Deus exige compromisso daqueles que se apresentam como discรญpulos de Cristo. Aliรกs, nรฃo existe discรญpulo verdadeiro se o mesmo nรฃo se comprometer a tomar a sua cruz. Ela estรก representada na forma de envolvimento com os princรญpios e valores do Reino que nortearam a pregaรงรฃo e Cristo e nos desafiam ร s novas aventuras de fรฉ.
Bonhoeffer, famoso teรณlogo do sรฉculo passado, morto pelas mรฃos de Hitler durante a Segunda Grande Guerra, comentando a expressรฃo acima afirma que: โJesus, na sua graรงa, preparou os discรญpulos para o impacto destas palavras, ministrando-lhes antes o ensino da autonegaรงรฃo. Sรณ apรณs termos esquecido real e totalmente a nรณs prรณprios, somente apรณs nรฃo nos conhecermos mais a nรณs mesmos, รฉ que poderemos estar prontos a levar a cruz por amor a ele....a cruz nรฃo รฉ desventura nem pesado destino; รฉ o sofrimento que advรฉm em resultado da uniรฃo com Cristo. A cruz nรฃo รฉ sofrimento ocasional, mas sofrimento necessรกrio...Ela jรก estรก preparada, falta apenas levรก-la....Cada qual tem que suportar a medida de sofrimento e rejeiรงรฃo que lhe รฉ reservada...No entanto a cruz รฉ uma sรณ. ( Discipulado, pรกginas 43 e 44 ).
Convictos da nossa responsabilidade em carregar a cruz, somos levados a concluir que quando nรฃo o fazemos, envergonhamos a Cristo e enfatizamos o escรขndalo do Evangelho entre homens e mulheres do nosso tempo. Portanto, pregar a respeito da cruz รฉ uma oportunidade de demonstraรงรฃo do quanto somos discรญpulos comprometidos com o Deus que por ela passou.
4) COMUNHรO
O clรญmax da mensagem da cruz acontece na Comunhรฃo. O resultado disso pode ser visto e analisado atravรฉs da Mesa da Eucaristia. Na cruz, Deus reconciliou consigo o mundo e ofereceu a todos um convite ร Comunhรฃo.
Quando cantamos mรบsicas que falam da cruz, estamos proclamando a idรฉia viva da vitรณria eterna de Deus sobre a morte e o pecado. Por outro lado, evangelho da cruz que nรฃo gera comunhรฃo, รฉ o evangelho que nรฃo tem a marca do sofrimento de Cristo que se doou em favor de todos.
A comunidade cristรฃ que sente o quรฃo importante รฉ o sรญmbolo da cruz, busca ao redor da mesa o selo da verdadeira comunhรฃo. Bonhoeffer, citado acima, em seu livro โVida em Comunhรฃoโ, declara que โa comunhรฃo de mesa dos cristรฃos compromete. O pรฃo que comemos รฉ nosso pรฃo de cada dia, e nรฃo o meu prรณprio. O pรฃo que repartimos รฉ nosso. Desse modo estamos unidos nรฃo apenas no Espรญrito, mas inclusive como todo ser fรญsico. Esse pรฃo dado ร comunidade prende-nos uns aos outros com forte laรงo. Jรก agora ninguรฉm poderรก passar fome enquanto o outro tem pรฃo, e quem destrรณi essa comunhรฃo corporal tambรฉm arruรญna a comunhรฃo do Espรญritoโ ( pg 46, 1986 ).
O compromisso com o Deus que passou pela cruz deve-nos levar constantemente ร Mesa do Senhor, como sinรดnimo das nossas demonstraรงรตes de fรฉ, esperanรงa e amor. Na Mesa somos transparentes e declaramos perante Deus e o prรณximo qual o nosso compromisso com a cruz que por Ele nos รฉ oferecido. Na Mesa renovamos a esperanรงa no Reino, e nos fortalecemos, atravรฉs do Espรญrito, no sentido de pregarmos o Evangelho que salva atravรฉs de Deus que foi humilhado e que teve a coragem de levar sobre si todas as nossas enfermidades ( Is 53.4 ). Na cruz do calvรกrio, Deus atraiu, atravรฉs de Cristo toda humanidade aos seus pรฉs.
CONCLUSรO
Dissemos no inรญcio deste trabalho que a cruz รฉ um dos grandes sรญmbolos do cristianismo. Sua forรงa passa pela reflexรฃo em torno de alguns questionamentos que como comunidade de fรฉ, necessitamos fazer.
Como viver comunitariamente o grande ato de Deus que em Cristo nos resgatou das trevas para sua luz? Como, atravรฉs da fรฉ, temos presenciado a justificaรงรฃo de Deus em nossas vidas e na vida dos nossos semelhantes? Qual deve ser nossa posiรงรฃo como discรญpulos de Cristo, frente ร s mais diversas pregaรงรตes existentes a respeito da cruz em nossos dias?
Que sejamos portadores da mensagem da cruz entre aqueles que ainda nรฃo conseguiram entender que a mesma estรก vazia. Com isso proclamaremos o Evangelho do Reino que produz comunhรฃo entre os santos atravรฉs da vitรณria de Cristo sobre a morte e sinalizaremos ao mundo que na cruz temos o โSIMโ de Deus a toda humanidade.
Rev. Silas de Oliveira
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